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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

13 Anos de Batalha em Hogwarts


Há exatos 13 anos, a fictícia Batalha de Hogwarts chegava a um fim, e, com ela, a Guerra entre o lado dos “bruxos bons” contra os liderados por Voldemort. Harry Potter matara Voldemort e a partir deste dia se iniciou uma nova era no universo bruxo, onde a maior luta seria para perpetuar e cultivar o amor.
Confesso que sinto que o fato da data ter caído junto à divulgação do último filme da franquia, que foi reservado exclusivamente para dar lugar à batalha e à conclusão da história dos personagens, e junto com a divulgação da morte de Osaba Bin Laden sejam extremamente curiosos, para não se utilizar uma expressão melhor, e acaba por nos propor uma reflexão. No meu caso, entretanto, se adicionam dois outros aspectos: estou cursando Direito e estou cultivando minha fé católica. Mas o que isso tem a ver com Harry Potter? Para responder a essa questão, temos que refletir um pouco sobre guerra.
O que é, afinal, é uma guerra? Permito-me a utilizar as palavras de um dos meus professores para defini-la: assassinato, estupro e crianças morrendo. Não existe nada de ostentoso, glorioso em se entregar a uma guerra, seja ela por qualquer razão. No campo de batalha, o soldado é um ser humano e mesmo que demonstre ser apenas uma farda, ele não o é. Busca-se, sempre um bem da maior da humanidade. Discutir sobre o que é o bem maior da humanidade em termos simplesmente teórico é extremamente perigoso. A desvinculação de casos concretos pode levar, e não raro leva, a absurdos que carregam um grau de retrocesso lamentável, vide o nazismo ou, em Harry Potter, a supremacia dos puros-sangue. O assassinato é indiscutivelmente proibido; um atentado contra vida, que faz com que todos nos sintamos vulneráveis – e mesmo assim há condições em que o assassinato é permitido, no caso das penas de mortes nas ordens normativas jurídicas, inclusive no Brasil, que prevê pena de morte para um crime de guerra, quando o Direito, em si, já não existe e vive-se sob um Estado de Exceção.
Matar Osama bin Laden está sendo comemorado de uma maneira sem precedentes pelo mundo, principalmente, pelos americanos. Aqueles que têm amigos americanos puderam ver as manifestações no Facebook. Mesmo com todos os defeitos da nação estadunidense que são muito abordados, não se pode condenar essa comemoração, que, apesar de se sustentar na morte de uma pessoa, também se sustenta no amor ao próximo e na defesa da vida. Fez-se justiça em prol da humanidade, aniquilando um centro irradiador de ódio. Mesmo assim, é absolutamente normal que se tenha um passo atrás quando festeja-se isso. Matar é errado; mas matar Osama é algo que muitos fariam com as próprias mãos se pudesse; porém, há aqueles como o Hugo Chávez que condenam essa comemoração e apontam o dedo para o Tio Sam, como se fossem podres por isso. É óbvio que as conseqüências deste fato ainda estão por vir. No futuro, 1º de maio de 2011 pode ser conhecida nos livros de história como a data inicial da desestruturação da Al-Quaeda ou o estopim de uma Terceira Guerra Mundial. Quem somos nós para avaliar o mundo no qual estamos inseridos, um momento de profunda complexização da humanidade jamais visto?
O que isso tem a ver com Harry Potter mesmo?

J.K. Rowling e David Yates possuem uma sensibilidade para tratar de Guerra que muitas pessoas não têm. Jô entende a podridão da Guerra. Apesar de saber que teria que matar Voldemort, o caminho de Harry nunca foi de uma pessoa em busca da vingança ou que aceita o fardo plenamente, de modo 100%. Ele é humano e sua humanidade o fazia temer ter que matar Voldemort com suas próprias mãos; ele mal consegue lançar uma maldição crucciatus em Belatriz, no livro e filme Ordem da Fênix. J.K. teve que criar todo um percurso de acumulação de vontade de justiça ao entorno de todos os personagens e não somente Harry, que muitas vezes se viu ilhado. Para criar o cenário real de guerra, nossa autora teve que ter uma cautela sem igual, já que, apesar dos leitores principais do livro terem crescido, a obra ainda tem seu caráter infanto-juvenil. Não há estupro na guerra de Harry Potter, mas há uma clara insinuação no livro do que Greyback pretendia fazer com Hermione quando o trio foi capturado na floresta (J.K. foi duplamente esperta, por utilizar de um personagem lobisomem para fazer isso, o que deixava as interpretações ainda mais abertas), feita levemente por Scabior no filme; quanto às atrocidades com crianças basta lembrar que os alunos de Hogwarts eram obrigados a usar Maldição Cruciatus para castigar os demais e os assassinatos, bem, a esses nem preciso tecer comentários.

Do mesmo modo, é a direção de David Yates nos filmes; extremamente cuidadosa, não criando batalhas gratuitas para as telonas ainda que elas sejam necessárias. Em Ordem da Fênix, a Armada de Dumbledore abraça abertamente a preparação clandestina para a batalha, preparando o cenário em que eles tem que efetivamente serem soldados (ao som de uma trilha sonora alegrinha de Nicholas Hooper). Busca-se, no entanto, criar uma atmosfera na qual todos os personagens tenham a consciência do que é o bem maior, o que só começa a ocorrer pra valer com a morte de Dumbledore e os atentados que atingiram tanto os trouxas quanto os bruxos. Yates estava muito mais preocupado em reunir os alunos e corpo discente de Hogwarts no pátio da escola para homenagear Dumbledore ao final do sexto filme do que em criar uma batalha como a do livro.
O filme final parece seguir essa linha. Os gritos de guerra estarão lá, mas os personagens não vão perder sua vulnerabilidade para criarem seqüências de ação espetacular, mas vazias, tão comuns em Hollywood. Basta ver a expressão de Molly Weasley no trailer para atestar isso. O próprio epílogo do filme, que com certeza está guardado a sete chaves até a estreia, foi definido pelos produtores como um momento que vemos que o trio superou a guerra e tocou a vida, reconstruindo-a com o alicerce no amor. Ao final da batalha, não haverá uma grande comemoração como a que ocorre nos EUA hoje, mas muito mais uma sensação de alívio, justamente para não deixar transparecer qualquer apologia a guerra, ainda que o filme seja vendido e queira ganhar dinheiro como “a épica conclusão” e que nós desejamos realmente ver a batalha, com a qual, mesmo sendo fictícia, nós sofreremos. Complicada essa abordagem, não é mesma?! Não é à toa que Yates permaneceu sob a direção nos últimos quatro filmes. É fácil deduzir que a experiência em filmes de cunho político tenha sido preponderante para essa continuidade e que isso, certamente, foi defendido por Jô.

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